VITOR M. C. FERREIRA DA SILVA1
(Versão
1.0 de 30/3/01 - uma nova versão, ampliada, está em preparação)
Apesar da maior atenção
que a comunidade médica vem dando aos aspectos emocionais e mentais como
sendo extremamente importantes na gênese ou desencadeamento de inúmeras
doenças, é ainda, por vezes, muito difícil ao médico
estabelecer com o paciente uma boa relação, sem dúvida proveitosa
para ambos. A formação e o modo de atuação do médico
estão, hoje, permeados de tal forma por uma mentalidade tecnicista que,
na prática, o médico acaba por encarar o corpo humano quase como
sendo apenas uma máquina, e suas desordens – doenças – como situações
decorrentes de desarranjos anatômicos, fisiológicos ou bioquímicos,
de origem genética ou adquirida, passíveis então de uma abordagem
terapêutica voltada apenas ao organismo físico. Essa mentalidade,
não raro, gera situações em que encontramos grande dificuldade
em fazer com que o paciente admita que os aspectos mentais são importantes
no desencadeamento de sua doença. É de suma importância, portanto,
quando nos defrontamos com tais situações, sabermos encontrar o
caminho para tornar o paciente não apenas informado intelectualmente a
respeito, mas também motivado, seguro, animado, participando então
como um todo com sua mente (seu intelecto), seu coração (sua capacidade
de sentir) e sua vontade (sua determinação em agir). Só assim
estaremos propiciando a instituição de processos terapêuticos
que possam realmente levar à cura do paciente, na medida em que o mesmo
passa a participar ativamente do processo.
Obviamente não há
como criar esquemas prontos para que possamos envolver os pacientes dessa forma
participativa aqui exposta, pois cada paciente e cada médico são
indivíduos com características próprias. Quero então
focar alguns princípios básicos que possibilitem a cada colega encontrar
o seu caminho e a sua forma de atingir essa meta. O pré-requisito é
uma relação médico-paciente bem construída, a partir
de um contato em que o médico transmita simpatia, acolhimento, confiança,
segurança e apoio. O paciente que se encontre envolvido por essas qualidades
certamente acolherá de forma receptiva o que lhe for informado e proposto.
Inicialmente devemos estabelecer um bom "rapport" ("entrar em sintonia")
com o paciente. É necessário saber questionar com paciência
e respeito, ouvindo e demonstrando interesse. Precisamos validar as informações
trazidas pelo paciente, ou seja, ele precisa perceber que acreditamos em sua história
e que valorizamos e entendemos seus sentimentos e necessidades. Para isto é
importante ter toda a atenção voltada ao paciente, percebê-lo
emocionalmente, estar, metaforicamente, "dentro da sua pele", estar em sintonia
com seu ritmo (o que significa não "atropelá-lo"), estar atento
ao seu tempo, e também buscar uma sintonia afetiva com o mesmo, de modo
a que ele sinta no médico alguém que sabe o que ele está
sentindo.
Gostaria aqui de pontuar e comentar algumas das necessidades das
pessoas quando buscam um relacionamento, e que, portanto, são fundamentais
na relação médico-paciente:
Segurança:
é a necessidade de se sentir seguro em relação ao outro.
O paciente precisa ter certeza de que encontrará no médico alguém
que possa dar proteção às suas necessidades, podendo, sem
medo, expor-se física e psicologicamente.
Validação:
é a afirmação da importância da pessoa dentro de um
relacionamento. É importante, para o paciente, que suas necessidades sejam
reconhecidas como verdadeiras e aceitas pelo médico.
Aceitação:
é a necessidade de o paciente sentir-se aceito por uma outra pessoa estável,
confiável e protetora, presente na figura do médico.
Confirmação
da experiência pessoal: é o desejo de estar à frente de
alguém que é semelhante, que compreende, como se tivesse vivido
situações parecidas.
Auto-definição:
é a necessidade de reconhecimento e aceitação da própria
identidade, percebendo, então, que o médico o reconhece como indivíduo
e aceita a sua história.
Impacto sobre a outra pessoa:
é a necessidade de que, na relação, a outra pessoa se sensibilize;
é o paciente ver que o médico não está distante e
insensível. Demonstrar compaixão se o paciente está triste,
fornecer proteção e segurança se ele está assustado,
leva-lo a sério se está com raiva, ou compartilhar se o mesmo está
alegre.
Iniciativa: estar diante de alguém que toma iniciativas,
indicando caminhos, telefonando, se necessário, para ter notícias,
etc.
Todas essas necessidades podem ser resumidas no anseio que todos
temos por afeto. É importante que o médico saiba expressar compaixão
para com o paciente. Também é importante que o médico saiba
aceitar a expressão de reconhecimento que seus pacientes manifestam através
de gestos que simbolizem agradecimento ou afeto.
Outro passo importante
é saber avaliar as expectativas do paciente em relação ao
médico, a si mesmo e à doença, e procurar saber o grau de
entendimento do paciente sobre sua doença.
Um recurso útil,
também, é observar o temperamento do paciente. Pacientes coléricos
(determinados, dominadores, impulsivos) tendem a dominar a situação.
Se as colocações do médico contrariam as expectativas ou
idéias que têm a respeito, podem contra-argumentar ou não
aceitar tais colocações. Se o médico insiste podem mesmo
não seguir as orientações prescritas, e acabam, por vezes,
buscando outro profissional que corrobore suas idéias. Vale a pena, nessas
situações, propor desafios, convidar a pensar a respeito, conduzir
o diálogo de modo a que o paciente se sinta estimulado a pensar de outra
forma e a observar novos aspectos relacionados a si mesmo e à sua doença.
Pode ser que esta técnica exija um tempo maior ou mesmo novas consultas.
Pacientes fleumáticos (tranqüilos, observadores, passivos,
dedutivos), costumam aceitar colocações, mas pensam metódica
e cuidadosamente a respeito, refletem, procuram novos dados que lhes permitam
avaliar melhor a situação, e talvez necessitem também de
um tempo maior para digerir tudo o que ouviram. É importante que o médico
lhes disponibilize todos os dados e informações dos quais sintam
necessidade. Em relação aos melancólicos (sensíveis,
emotivos, intuitivos, geralmente desenvolvendo relacionamentos pouco numerosos
porém profundos) há que ter muito cuidado no modo de informá-los,
sobretudo quando as informações podem gerar algum tipo de medo ou
ansiedade, pois tendem a ficar deprimidos. É muito importante que os pacientes
se sintam seguros de que o médico é alguém com quem podem
contar, e que lhes oferecerá todos os recursos possíveis e necessários
para lidarem com a sua situação. Precisam de proteção.
Já os sanguíneos (lábeis, sedutores, atraentes, de
relacionamentos fáceis e numerosos, porém tendendo a superficiais)
provavelmente aceitarão facilmente os argumentos e orientações
do médico, o que não quer dizer que estarão realmente convencidos
de tudo o que o médico disse, e talvez não sigam de forma correta
as orientações, alegando esquecimento, falta de tempo ou excesso
de atividades, entre várias possíveis desculpas. Se o médico
identifica nele a predominância deste temperamento, é importante
não contrapor comportamentos críticos, mas buscar, de forma paciente
e firme, que o paciente se conscientize da situação, determinando-se
a seguir a orientação. Obviamente é difícil encontrarmos
pacientes que manifestem polarmente apenas um dos quatro temperamentos descritos,
porém há quase sempre a predominância de um, e saber como
lidar com eles amplia em muito nossas chances de sucesso.
É também
importante pensar na forma como podemos informar o paciente sobre a relação
existente entre os aspectos emocionais e sua doença. Podemos informá-lo
diretamente, e isto talvez seja o que muitos pacientes esperam. Podemos também
levá-lo a deduzir essa relação, oferecendo-lhe informações
mais ou menos detalhadas. Uma forma seria começar lembrando que a pele
pode expressar sinais e sintomas (p.ex. rubor, calor, palidez, frio, arrepios,
sudorese) que podem representar emoções (vergonha, raiva, medo,
alegria, tristeza, afeto), e que isto representa um fenômeno fisiológico
com mecanismos bem conhecidos. Do mesmo modo doenças se manifestam por
influência mental, através de mecanismos fisiológicos que
vem sendo cada vez mais conhecidos. Podemos também estabelecer comparações
com outras doenças, em outros órgãos e sistemas, que conhecidamente
têm influência mental (p.ex.: gastrite, úlcera péptica,
diarréia, constipação, hipertensão arterial, angina,
cefaléia, etc.). Podemos, enfim, ajudar o paciente a perceber que a doença
é um sinal: ela simboliza algo que no fundo (no seu EU) o indivíduo
sabe, e descobrir isto pode possibilitar a descoberta da real causa da doença,
ou dos fatores que a estão desencadeando. A doença cumpre então
seu papel pedagógico: mostrar que algo não está bem e possibilitar
uma mudança. Isto pode exigir um trabalho terapêutico muitas vezes
interdisciplinar, com recursos que o médico deve saber indicar e coordenar
(por exemplo a psicoterapia, eurritmia, terapia artística, quirofonética,
massagem rítmica e aplicações externas entre outras).
É
importante, neste momento, observar algumas situações onde a relação
médico-paciente estará prejudicada, dificultando a informação
e o envolvimento do paciente em um processo terapêutico:
1. Quando
o médico se vê em uma posição superior à do
paciente. Pode então assumir posturas autoritárias, prepotentes.
Tende a estar desatento e desqualificar o paciente. O médico pode dar orientações
que acabam por resultar ineficientes, porém transfere ao paciente a culpa
pelo fracasso, justificando com o argumento de que "só estava querendo
ajudá-lo".
2. Quando o médico demonstra falta de segurança
e determinação, podendo até mesmo deixar-se conduzir pelo
paciente. Tentando demonstrar eficiência, porém sem real comprometimento
com o paciente, o médico pode dar orientações que resultam
ineficientes.
3. Quando o médico se revela desinteressado e sem
perspectiva.Para concluir, a situação ideal é
observada quando o médico coloca a serviço do paciente todo o seu
conhecimento, sua atenção, sua disposição em ouvir,
em compreender e ajudar, ao mesmo tempo em que considera o paciente como aquele
que mais conhece a respeito de sua doença, pois a experiência de
vivê-la é dele. Desse encontro (consulta) resultará uma troca,
e ambos sairão enriquecidos.
Leituras sugeridas:1.
Berne E. Os Jogos da Vida. Rio de Janeiro: Editora Artenova S.A., 1977.
2. Berne E. O que você diz depois de dizer olá? São
Paulo: Nobel, 1988.
3. Crema R. Análise Transacional centrada na
pessoa ... e mais além. São Paulo: ÁGORA, 2a ed.,
1985.
4. Crema R. Saúde e plenitude: um caminho para o ser.
São Paulo: Summus, 1995.
5. Cunha, MGGC, Crivellari, H. Caminhando
com a Psicoterapia Integrativa. Belo Horizonte: Cultura, 1996.
6. Erskine
RG. Theories and Methods of an Integrative Transactional Analysis. San
Francisco: TA Press, 1997.
7. Glas N. As Mãos Revelam o Homem.
São Paulo: Editora Antroposófica, 1988.
8. Glas N. Os temperamentos.
A Face Revela o Homem – II. São Paulo: Editora Antroposófica,
1990.
9. Gupta MA, Gupta AK. Psychodermatology: An update. J Am Acad Dermatol
1996; 34(6):1030-46.
10. Steiner R. O mistério dos temperamentos.
As bases anímicas do comportamento humano. São Paulo: Editora
Antroposófica, 1994.
- - - -1Médico
Dermatologista com Orientação Antroposófica da Clínica
Tobias.
Assistente do Serviço de Dermatologia do Hospital Municipal
de Campinas "Dr. Mário Gatti".
End.: R. Bagé, 45 ap. 31 – V.
Mariana – S. Paulo – SP
FONTE: http://www.sab.org.br/med-terap/art-vitor.htm